Thursday, June 21, 2007

Fome

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Wednesday, June 20, 2007

Uma estrela nasceu em mim. Brotou na boca do estômago. A estrela deu lugar ao cansaço. Por um tempo, ela ficou parada na parede. Coisa de mosca-morta desatenta de mundo - observante. Em um salto, ela pulou em mim, desceu pela gargantra e pesou indisgesta no estômago. Depois da xícara de chá, ela ficou leve, se fez na disgestão cármica do meu corpo franzino. Uma estrela brotou em mim. Passou pelas veias e agora habita a minha testa.

Escrevendo

Não me lembro mais onde foi o começo, foi por assim dizer escrito todo ao mesmo tempo. Tudo estava ali, ou devia estar, como no espaço-temporal de um piano aberto, nas teclas simultâneas do piano. Escrevi procurando com muita atenção o que se estava organizando em mim e que só depois da quinta paciente cópia é que passei a perceber. Meu receio era de que, por impaciência com a lentidão que tenho em me compreender, eu estivesse apressando antes da hora um sentido. Tinha a impressão de que, mais tempo eu me desse, e a história diria sem convulsão o que ela precisava dizer. Cada vez mais acho tudo uma questão de paciência, de amor criando paciência, de paciência criando amor."

O trem

Hoje de manhã desci do trem. Estava despejado como trânsito de domingo. Quase vazio. A sacola de papéis embasbacados e de leituras vazias me apoiava, e de algum modo, ajudava a passar o tempo da janela.
Ainda no trem tive a vontade -tão imensa vontade- de escrever-te uma carta e decorá-la, ainda com corações coloridos, de leveza e de sutil-idade.
Não sei por que o trem parou e quando desci a vontade foi com ele embora. O papel ficou em branco na minha mão, e, o coraçãozinho decorado amassou no meu bolso.
Ainda há mais uma jornada. De dia de trabalhador. Mais um ponto de passeio. Mais uma vontade, mais um caderno, repleto de folhas.
Não escrevo com pretensão de mudar nada, de mudar o mundo-forma das coisas. Não se muda as coisas. Às vezes elas as coisas nos muda, ou, nos toca em algum aspecto. Mas, que desabrochar gostoso que é o escrever!!!

Monday, June 11, 2007

OM

Onde está você?
Onde é o mar?

Onde cato flores?
Onde fica o luar?

Onde moram os signos?
Onde vou te buscar?

Onde acho as gotas?
Onde devo guardar?

Onde acho as notas
Sem cotas
Pras minhas rimas pobres
Nobres de recordação?

Tuesday, June 05, 2007

Roseta

Há um homem pendurado no muro.
Que balança as pernas
na mesma posição.
[ora pra cima, ora pra baixo]

Em movimentos contudentes
Indecentes e dúbios
estagnados de indecisão

O muro balança.
Pois não é que o homem não cai!
Rompe-se o chão
com o cair de um incestuoso tronco.


O homem afunda
O muro lhe parte a cabeça
e ... É engolido
precisamente
ao meio

Enumeração arcaica

O que fazem sentados
Estátuas e jardins
encatados?

Que corpos sonoros contemplam?
Com olhos de sapos
petrificados

Porque esperam a noite
damas notívagas
Para exalarem seus perfumes?

Porque quedo-me a esperar
Só para te com templar?

De onde vem o amor

A procedência

Da providência que soma
o que antes era êxtase de
nudez

E que agora
aflorado no jardim
é de inexpressiva calma

(...) a Inquietude vem de manter
a plácida calmaria
aturde a preocupação
Quando sono demais tem
e só então já des-cubro

o que sou
(ou o que sobra de mim)
barata & tonta
Vazia de concepção
Angular
assim talvez prossiga
até o final da poesia