Thursday, April 12, 2007

Portuguesinha

A sujeitinha, a qual tal fato verídico medrar-se-á, contava na época aproximadamente seis anos. Atravessou o período escolar inteiro contando com a falta de sorte e certa reclusão. Não que lhe agradara tal idéia, pobrezinha, mas em conseqüência de seu fardo de pêlos, - um extenso bigodinho de um pretume semi-arqueado, - que passeava de uma ponta a outra bem abaixo de suas narinas. Semelhante a um rabo de um felino-filhote. Pelugens ralas e sobressaltadas. Oh! Quão infeliz foi essa criatura. Zombada e trucidada anos a fio pelos confrades do colégio. Os meninos resultavam em meio à troça. Colocaram-lhe apelidos de toda natureza: coisica estranha, comunista mirim e até presunto de barba. Chacotiaram-na, transformando a desgraçada guria em uma verdadeira atração circense. Sua pele, branquinha e aveludada emergia em meio à negritude estridente de seu bigode. Tinha olheiras fundas e de tanta finura que as veias lhe sobressaíam como bacias hidrográficas. Aparentava cansaço e anemia. Um faido doentio, devido à palidez-amarelada. Deveras não comia mesmo a fulaninha. Tanto eram os escárnios que – com veemência afirmo-lhes isso – (...), tiravam-lhe por completo o apetite. Sua mirradez corcunda foi alterando-se com o passar de muitos custosos anos, até sua puberdade frágil. Em contrapartida a muitas garotas de sua idade, o frescor ainda pueril, lhe arregalara uma beleza tonteante.
Era a vingança viva da natureza. A formosura lhe havia presenteado com tanta energia, tal como se quisesse e achasse de direito, recompensá-la pela ausência na infância amargurada e cinza. Os meninos que antes a zombavam, agora, tinham roubados pela rapariga, suspiros profundos e calorosos. As olheiras dantes arroxeadas deram lugar a sobrancelhas arqueadas e minuciosamente feitas. Ah! Portuguesinha, virastes uma feiticeira vingativa (...). Quanto ao bigodinho, ainda estava lá. Jazia cromossomático, mais inquisidor que nunca. Porém, de tempos em tempos, mas precisamente duas vezes por semana, visitava ela, uma depiladora francesa de unhas compridas e vermelhas, cujo alquímico dom conferia a quase-brasileirinha um ar de irresistível desforra.